Açores: Subida ao Pico
Bom, primeiro que tudo, calma! Lady-Gazeta não desistiu do blogue! Mais! Este tempo de espera não foi à toa.
Foi para trazer mais suspense ao meu regresso. Vá, admito, é mentira. Este tempo de espera foi uma recuperação! Exactamente, leram bem, um mês depois de subir ao pico do Pico já me sinto totalmente recuperada fisicamente e psicologicamente para vos contar como foi a aventura.
Espero, no entanto, que não tenham desistido de acompanhar o périplo, meu fiéis comparsas de leituras.
Portanto, vamos a isto?
A iniciativa Rumo ao Pico 2018 começou exatamente na mesma altura em que comecei a investir mais tempo aqui, no Amena (portanto em Janeiro deste ano). E a intenção era, mais do que subir ao Pico, conhecer as ilhas afamadas como triângulo dos Açores. E por quê? Porque as fotos eram maravilhosas, os relatos de quem as tinha conhecido também. E, em boa verdade, estava com muita vontade de voltar aos Açores, mas dando oportunidade a outra ilha que não fosse São Miguel (atenção, São Miguel é lindo. Não deturpem!). Pensámos no grupo central com carinho, lemos uns relatos aqui e ali, caçámos um bom preço e comprámos os bilhetes de avião. Só posteriormente, admitimos, é que considerámos a subida ao pico do Pico. Na verdade, eu era quem tinha mais receios da aventura. A confirmação da subida durante esta viagem surgiu apenas na BTL, quando abordámos uma empresa que fazia a subida sobre as condições, se fornecia o material necessário e, sem medos, confirmámos o nosso LET'S DO IT!
E a partir daqui, foi a preparação. Não da viagem por si, que tipicamente é uma gestão de logística, mas demos início a treinos físicos. Sou (ou era) uma pessoa sedentária. O desporto em que sou realmente boa, bato recordes tranquilamente, é aquele que envolve um garfo e uma faca.
Percebi claramente que os hábitos teriam que mudar ligeiramente e, por isso, há alguns meses atrás começámos a percorrer trilhos na zona de Lisboa. Foi, na verdade, um excelente pretexto para reconhecer a serra de Sintra, por exemplo.
Mas convenhamos, subir a Serra de Sintra, ainda que tenha zonas com alguma dificuldade, em nada se comparava à subida da montanha mais alta do país. E sabíamos disso. Mais do que isso, enquanto que os quilómetros de trilhos deixavam-me satisfeita e cada vez mais motivada, os relatos aqui na blogosfera de quem já tinha subido ao pico do Pico não eram animadores: é difícil, não consegui subir, desisti assim que vi, etc. faziam-me fraquejar. E, piorando o cenário, o facto de ter um problema genético nos joelhos (nas rótulas) que me trazem dores sempre que faço desporto de impacto, deixava-me ligeiramente ansiosa.
Posto isto, por recomendação, inscrevi-me também no ginásio e fiz treinos específicos para a subida em questão com o intuito de fortalecer os músculos dos joelhos e pernas (cerca de 2 meses antes de subir ao Pico). Durante estes treinos tive algumas dores é certo, mas nada de impeditivo.
Tudo tranquilo até aqui. O problema foi depois de aterrar e encarar a montanha. A situação mudou de figura. Os testemunhos aqui da blogosfera de quem já tinha subido e o tamanho da montanha alarmou o mais destemido de nós os dois. E eu, bom, eu fiquei doente. Literalmente. Provavelmente, os nervos reflectiram-se através de uma gripe que quase me fez fraquejar até à véspera da subida.
E o tempo também não estava espectacular. Já vos disse que o tempo, para mim, influencia muito sobre a opinião do destino. Um desafio daqueles com chuva deixou-me muito desanimada, lembrando-me de relatos onde o tempo se revelou o pior adversário do cansaço durante a subida.
Bom, o chamado sofrer por antecipação.
Na véspera da subida e depois da confirmação oficial da Tripix, empresa em quem depositámos toda a nossa confiança, melhorei subitamente. A intenção era pernoitar na cratera do vulcão, mas como vos disse, as condições climatéricas adversas não o permitiram e, por isso, seriam ~ 7 horas (subida + descida).
O ponto de partida é a Casa da Montanha (já ligeiramente acima do sopé da montanha) e o percurso a pé seria de aproximadamente 7km. Não subestimem. É com uma inclinação muito acentuada. Assim que chegámos à casa de partida, convivemos com a nossa futura equipa. Éramos apenas 2 portugueses num grupo de 10 estrangeiros. Nem parecia que estávamos em Portugal, na verdade. Mas independentemente da língua falada, o sentimento era igual para todos: ansiosos e motivados. E lá arrancámos, em fila ordeira, já o relógio apontava as 10 horas da manhã.
Saímos com bastões (abençoados!) e GPS, água, barras energéticas, sandes, medicação e muita vontade.
Como não passo de 1.60m, recomendaram-me passar para o grupo da frente, perto da instrutora Raisa, para que os passos não fossem tão longos e para que conseguisse fazer uma boa gestão de esforço até ao fim.
Não tive grandes dificuldades durante a subida, honestamente. Na verdade, o plano que fiz de ginásio e os trilhos serviram perfeitamente para me sentir a maior alpinista da minha rua. :) E adorei a experiência, claro.
E adorei a sensação de conquista assim que chegamos ao topo do "mundo". Os bastões ajudaram muito até chegar à cratera do vulcão. Depois disso, a última fase do percurso de subida é feita em escalada (foi ainda mais emocionante).
Depois a descida.
A descida.
A... desci..da.
A descida foi outra conversa. Custou. Mas custou mesmo muito.
A meio do percurso da descida já estava com dores insuportáveis nos joelhos. Sentia algum cansaço, claro, mas as dores eram superiores a tudo. E a partir da estaca 18 (eram perto de 45) o caminho tornou-se inexplicavelmente longo. As descidas sucessivamente íngremes e alguma chuva – na verdade parece que surgiram as 4 estações durante o percurso – tornaram o piso mais escorregadio e fez com que caísse por duas vezes (mas calma, quedas pouco aparatosas, apenas escorregar lentamente e cair com classe ).
Não sei se vos vou conseguir explicar, mas chegar à Casa da Montanha, o ponto de partida, foi como ver água no deserto. Aliás, chegar foi muito mais do que isso. As lágrimas de contentamento e de dor, simultaneamente, caracterizaram a entrada magistral na casa da montanha. Podia mentir-vos, é certo, mas foi precisamente isto que aconteceu.
Fanáticos de cronometragem, não fiquei particularmente orgulhosa. Para quem se julgou alpinista de sangue durante a subida, foram cerca de 3,5 horas a subir e 4,5 horas a descer, com direito a 1 hora de almoço, no Piquinho, com vista para as ilhas vizinhas, para o oceano e para as fumarolas do vulcão semiadormecido.
No fim, estava tudo bem. Consegui e conseguimos. A Tripix foi, em todos os momentos, espectacular comigo. Incentivou-me naqueles momentos em que temi ficar a viver por lá, entre a lava solidificada e os poucos rastos de verdura. E não sorriam! Naquele momento eu conviva bem com o facto de me tornar a mulher da montanha, já que o resgate é para lá de muito caro.
Contudo, o A., que me acompanha neste projecto (e todos os outros) e incentiva-me nestas loucuras, não sofreu tanto com o desgaste físico, mas tem também uma melhor preparação física do que a minha. Portanto, ao contrário do que li por aqui, cada caso é um caso. E é claro que vocês, se o pretendem fazer também, vão consegui-lo certamente! É claro que há pessoas que desistem, mas essas pessoas não são vocês.
Geralmente perguntam-me se voltava a repetir a experiência. Até ontem, eu hesitava, mas hoje chegou o momento de dizer que sim. Voltava e pernoitava! Ver o amanhecer no topo do país deve ser uma experiência maravilhosa!
Esta foi certamente a primeira de muitas experiências a sério deste tipo. Superação, persistência e conquista são as 3 palavras que caracterizam este desafio pessoal e, para mim, foi muito gratificante ultrapassar este objectivo, mesmo com todas as restrições físicas que levava na bagagem.